JOÃO DE DEUS ORTEGA

Escultura em madeira, Sendas, Bragança

Quando lhe perguntámos em que ano nasceu, ficou pensativo, e só após um ponderado e prolongado silêncio, nos respondeu: “Parece que foi em 28 de Janeiro de 1922”. Era assim João de Deus Ortega, sempre muito humilde, desinteressado de si próprio, especialmente depois da morte da sua mulher.
O que lhe interessava realmente eram os seus “bonecos”, feitos em madeira de castanho com o seu canivete, do qual não se separava e que sempre o acompanhou nos seus passeios pelo campo quando procurava um “pauzinho jeitoso”. Era com ele sentado à lareira que se entretinha durante os dias invernosos na sua pequena aldeia transmontana, que só abandonou durante os dois anos em que esteve em Lisboa na tropa e, mais tarde, quando resolveu experimentar a vida em França. A esposa, que também o acompanhou na altura, não se deu por lá bem; andava sempre doente e acabaram por regressar à aldeia ao fim de dois atribulados anos de trabalho na construção civil.
Quando lhe perguntámos há quanto tempo fazia os seus bonecos, respondeu-nos apenas que começou ainda novo e que sempre os fez assim em castanho. O seu nome nunca ficava escrito nas peças, “não importa”; o que interessava era o nome da sua aldeia, Sendas, esse está lá sempre em destaque, bem como alguns dizeres que copiava (às vezes mal) de um papel que pedia aos miúdos da terra para lhe escreverem.
VAMOS A MADEIRA AMANHA, é a legenda de um barco onde figura um casal a tocar concertina; VAMOS A PESCA, é o que podemos ler num outro barco onde foram esculpidos Cristo com os 12 apóstolos; IDES ESTAR CONNOSCO NO PARAÍSO, ilustra a Sagrada Família; PARA A FRENTE É QUE É O CAMINHO, diz um cavaleiro armado de espada. Os temas estão sempre relacionados com a religião e a vida na aldeia e, por isso, por entre as suas peças, tanto podemos encontrar músicos, cordeiros ou mulheres com cestas à cabeça, como cristos, santos vários ou presépios.
Com a idade já avançada, a vista e o coração fracos, João Ortega sabia que os seus “bonecos” permaneceriam como testemunho da sua passagem por Sendas, alguns deles fazendo mesmo parte da coleção do MOA (Museum of Anthropology, University of British Columbia, Vancouver, Canada).

Texto e fotografias cedidos pelo arquivo da Santos Ofícios.